Contos do Birdolino
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O mito da máscara

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Mensagem por Hummingbird Ter Dez 22, 2015 6:04 pm

Prólogo


A supremacia do reino Indra era conhecida e temida por toda extensão da Mãe-Terra, lugar em que habitamos.

Poucos neste mundo são como eu, conhecedores das leis que regem a vida. Sim, existem algumas regras; coisas que podemos e coisas que não podemos fazer; coisas também que não devemos sequer pensar em fazer; e é claro, punições para tal. Admito que sempre fui muito alienado no que diz respeito a essas regras. Talvez o tempo tenha me feito perceber que não podemos escolher entre o que fica e o que vai embora, mesmo quando seguimos as regras. Poder algum é capaz de alterar essa lei. Lei essa que por sinal também arruinou minha vida.

Chamo-me Lionel Jäegar, sou um dos poucos conhecidos como Feiticeiros em toda Mãe-Terra. Somos assim chamados por termos  a capacidade de mexer com elementos da natureza, compreender a linguagem dos deuses e saber fazer alguns truques que os normais não conseguem. No fim é só um monte de responsabilidades com as quais temos que lidar. Agora imaginem só, se já é um trabalho difícil, fique sabendo que são poucos de nós que existem por aí para desempenhá-lo. Eu por exemplo só conheci outros 5 feiticeiros, e olha que já estou há muitos séculos vagando por aí. O que sei sobre nós Feiticeiros é que chegamos em vida com um objetivo gritante em nossas mentes; manter a ordem. Para isso, cada um tem por obrigação desenvolver seus próprios métodos, desde que sigam as regras que aos poucos vamos conhecendo. Como eu disse, temos o poder de compreender a linguagem dos Deuses, e através de elementos da natureza eles nos enviam mensagens, nos mostram o certo e o errado, insistem em nos manter no curso correto das coisas e etc. Infelizmente, eu nunca fui muito bom em respeitar essas regras, procurei abrigo ao longo das civilizações, de reino em reino, buscando aperfeiçoar meus conhecimentos e descobrir algo novo por minha conta. Já vi e vivi quase tudo, e isso foi me deixando um pouco cansado dessas regras. Quando me dei por conta, eu já estava esquecendo-as e me aliando a uma das grandes potencias de guerra da época. Foi então que conheci o famoso e temido Rei de Indra.

Seu nome era Kaiser King, um homem diferente dos demais. Tinha ambição, tinha ganância, mas de alguma forma ele sabia lidar com aquilo. Ele não tinha família, era completamente solitário, e de alguma forma eu o admirava. Ele não tinha absolutamente nada para seu amparo, nenhuma base, nenhum amor, nada — senão a própria ambição. Ele queria governar, tinha uma obsessão por isso, pelo título, pelo reconhecimento. E mesmo depois de tantos anos ao seu lado, eu nunca consegui entender de onde ele tirava forças para tal. Kaiser King decidiu me dar abrigo logo que ficou sabendo que eu era um dos Feiticeiros, sua ambição brilhou nos olhos quando eu me revelei. Eu pensei ter visto sua ruína naquele brilho, mas aos poucos percebi que era o contrário; era justamente aquilo que o levava adiante. Aquele fulgor.

Aos poucos fui conhecendo mais sobre o temido rei e descobri sobre o "Mito da Máscara". Era uma lenda ou algo do tipo, coisa que todos no reino conheciam, mas nem todos acreditavam com a mesma intensidade que o rei. Ele dizia que faria de tudo para encontrar a tal máscara do deus Indra, cujo serviu de inspiração para nomear o reino. Deu pra notar não é? Essa obsessão pela máscara rendeu frutos desde cedo. Eu me questionava sobre como o seu povo aprendeu a tolerar tal obsessão, seria por imposição do próprio rei ou por empatia? Ou haveria algum outro motivo? Os mortais sempre me pareceram um pouco bobos no que diz respeito ao que acreditam.

O fato é que as lendas dizem claramente; o portador da máscara seria abençoado com a imortalidade. Reconhecido pelos deuses como um avatar de importância na terra, um revolucionário. E eu que me considerava alguém importante portando o cargo de um Feiticeiro.

K.K já buscava pela máscara há muito tempo. Passaram-se dez anos desde que encontrei abrigo no reino Indra, ao lado do rei. Nesse meio tempo eu acabei me desvirtuando dos caminhos propostos pelos sinais dos Deuses. Deixei de dar atenção para os avisos que a natureza me trazia. Fui lentamente conduzido e manipulado pela ganância, uma quase vertente da ambição que governava o rei. Ao seu lado eu me deixei contaminar por seus pensamentos e emoções, mas eu não era como ele, ou pelo menos não ainda. Eu não tinha propósitos nem ideais, era apenas um terreno vazio para o germinar do ócio e do fútil. Ganância por ouro, por status; ou o simples desejo de estar acima de tudo e todos. Eu passei a querer o inalcançável, começando por ter mais poder que qualquer outro Feiticeiro. Queria destruí-los, me tornar o único reconhecido como tal neste mundo e então governar ao lado de Kaiser King, ou até pior, tomar o seu lugar como governante. Por que não? Eu tenho muito mais pra oferecer a este mundo do que ele — um simples humano governado pela ambição. Passei a idealizar que a minha ambição era muito mais forte que a dele. Passei a me dedicar inteiramente em ajudar o rei em sua procura apenas como pretexto para que eu a encontrasse primeiro. Como um Feiticeiro, decidi usar os meus poderes para buscar a tal máscara com auxílio da natureza. Apesar do meu descaso com os meus deveres, a natureza ainda assim reconhecia minha posição e me cedeu ajuda conforme a permissão dos Deuses. Fui capaz de acessar vestígios de memórias deixadas na terra, de muitos anos atrás. Vestígios de quando essa máscara deu sinal de vida pela última vez.

E não foi fácil, mas eu descobri.

Não muito longe de Indra, na província norte, depois do Vale dos Ossos, descobri que ainda haviam vestígios de vida. Não exatamente na superfície, eles estavam escondidos. Talvez encontraram abrigo em alguma parte subterrânea do vale. Aquilo é cercado por montanhas e alpes, um lugar perigoso, mal frequentado, cercado de almas em distúrbio por conta de suas mortes conturbadas. Era um lugar embebido de energia; algo que conhecemos como Éter. Energia espiritual, o "fluxo da vida". Muitas almas ainda circulam por ali, retendo a energia que tinham em vida, fomentando um ciclo vicioso que nunca termina enquanto elas não descansam. E foi ali que eu obtive por resposta os últimos vestígios da Máscara em vida.

Pensei em informar o rei, mas que vantagem isso me traria? Quero dizer, eu não teria como omitir essa informação por muito tempo e se K.K viesse comigo, certamente ele tomaria posse da máscara primeiro e aí então eu jamais teria possibilidade de erradicá-lo do meu caminho. Se essa máscara existe, por que existe? Era pra ser minha! Imediatamente arquitetei um plano. Dos meus conhecimentos com ervas, bolei um veneno que agiria com velocidade, deprimindo o rei aos poucos e restringindo os seus movimentos das pernas. Passei a dar-lhe o chá envenenado todas as tardes, três vezes por semana. Todas as vezes o chamando aos meus aposentos para discutir as minhas possíveis descobertas, iludindo-o, deixando-o cego com a possibilidade da máscara realmente existir. Ninguém no reino desconfiou. K.K tinha absoluta confiança em mim. Era o plano perfeito, e realmente funcionou. Dentro de 1 mês, ele estava sem condições de andar, acamado e debilitado.

— Não te preocupes, Kaiser King. Vou averiguar as pistas que tenho, indo até o tal Vale dos Ossos. Caso a máscara realmente esteja lá, trago em tuas mãos antes que vejas o inverno terminar. — foi o que aleguei.

— Confio em ti, Jäegar. És o único com que posso contar agora. — suas palavras ainda carregavam aquela mesma rouquidão característica. Era encantador, de fato. Mas o que me incomodou naquele breve momento foi uma sensação. Surgiu sorrateira como um aperto, assolando meu peito e espalhando-se como um formigamento ao longo de meus braços. Em todos os meus anos de vida eu não me lembro de sentir compaixão por ninguém, tornei-me amargurado pela ganância, pela imprudência. Mas eu posso dizer com exatidão que naquele momento eu senti algo parecido quando olhei nos olhos daquele homem. Eu podia ver tão claramente; sua ambição adoecia junto de seu corpo. Eu não conseguia mais enxergar aquele mesmo brilho de antes, aquele mesmo fulgor. Senti apenas como se por traz do azul em sua íris eu pudesse ver o desaguar de uma cachoeira de desgosto.

Fui eu quem fiz isso com ele?

Levantei-me num súbito, frio e preparado para deixar o quarto e nunca mais ver aquele rei novamente. Em todo caso, se acontecesse, eu estaria preparado para matá-lo. Mas eu senti sua mão direita puxar a minha, seus dedos ainda fracos, não conseguiram me segurar por mais que alguns segundos e então deslizaram na palma da minha mão. Involuntariamente eu segurei sua mão. Não consegui dar mais nenhum passo. E ali não estava mais o rei que eu havia traído, mas sim o homem que confiou em mim as suas maiores convicções de vida e eu as joguei fora. Totalmente rendido e desarmado, K.K murmurou um conjunto de palavras que me assombraram por mais do que eu considerava possível. Senti frustração preencher o meu peito, juro que ouvi o destino rindo, debochando do meu tropeço. A raiva tomou conta de mim. Ora, eu sou um Feiticeiro! Mais do que isso, meu objetivo aqui é manter a ordem não é? Como um governante, eu farei isso com minhas próprias mãos! Não vou amolecer agora por conta de um rei qualquer.

Parti naquela mesma noite. Não me despedi do rei. Levei comigo uma quantia razoável de guardas, todos eles eram muito fiéis ao rei, então eu já estava me preparando para dar fim neles da forma menos suspeita. Se eu envenenei o rei, por que não fazer o mesmo com os guardas? No entanto, faria com um a um, para que não suspeitassem de mim em primeira instância. A viagem era longa, tínhamos de acampar ao longo do percurso, comer. Lá estava minha chance, e eu fiz como planejado. Da guarda de 15 homens, restaram somente 3 deles para me seguirem até o fim. Os demais foram deixados pelo caminho, com suspeita de doença ou alguma coisa que os amaldiçoou quando entramos no território do Vale dos Ossos. Lá, as almas penadas sussurravam pelos cantos como o próprio vento nos perturba o pé da orelha. Os 3 guardas restantes não se amedrontaram, seguiram firmes comigo, até o ponto onde duas eras colidiram. Ficamos cara a cara com o passado; numa pequena área florestal ainda preservada, dentro do próprio vale, cercada por rituais com ossos e afins, havia uma passagem. Era quase como uma gruta, mas pela iluminação ao fundo do caminho, sabe-se que dava em algum lugar. E foi ali mesmo que tratei de eliminar os 3 guardas restantes sem deixar qualquer vestígio. Acidentes acontecem em passagens rochosas, principalmente quando estalactites pontiagudas caem e misteriosamente atravessam a garganta dos desavisados. Que específico não?

E então eu segui sozinho.

Daqui em diante, tudo que precisam saber é que eu encontrei sim a Máscara, guardada por uma civilização quase que esquecida. O conflito de gerações tornou-me uma pessoa diferente, deixei a ambição para traz, reconheci meu pecado e renasci como um Feiticeiro legítimo com ajuda daquela civilização. Perdi toda a noção do tempo que passei com eles. Entreguei-me de corpo e alma naquela cultura, passei a cultuar o deus Indra, e aos poucos fui perdendo completamente o interesse na máscara. Ela era muito mais que um mito, e pra mim, tornou-se também um propósito. Tornei-me alguém importante naquela civilização, não no sentido de hierarquia, mas sim em fazer parte daquela família. No entanto, minha ausência deu tempo suficiente para que vestígios do meu passado voltassem para me atormentar. Kaiser King apareceu naquele povoado pouco mais de dois anos depois, trazendo consigo um exército. Aquela civilização não era preparada para guerras, e em troca de salvá-los, resolvi confrontar o exército de K.K sozinho. Numa conversa em particular, pude propor um trato. Nos seus olhos eu só via ódio, traição, o ardor de uma chama descontrolada que podia acabar levando-o à ruína. Enquanto da minha parte, eu só conseguia lembrar das palavras que ele me disse naquele dia. Justamente por conta delas é que ele estava motivado a acabar com tudo, exterminar tudo e todos. O problema era comigo. Sabendo disso, o trato era bem simples;

— Mate-me, torture-me, elimine-me. Mas não faça nada contra esse povo. Eles lhe darão a máscara de bom grado. — fui direto ao ponto.

Kaiser King concordou. Não hesitou sequer um momento. Posso dizer que isso doeu mais do que a sua lâmina sendo cravada em minha cabeça. Tudo aconteceu como tinha que acontecer, era essa a vontade dos Deuses. E nos poucos minutos antes da morte, o vento uivou, repleto de desgosto e aperto. Nossos olhos se cruzaram mais uma vez, o feiticeiro e o rei. Amarelo-âmbar e azul-claro. As folhas das árvores dançaram uma última vez, o vento parou e a espada atravessou minha cabeça. Antes que meus joelhos tocassem o chão, ainda num misto de consciência e morte, eu repeti as mesmas palavras que ele me disse naquele dia.

Depois disso, a única coisa que me lembro é de me encontrar no escuro. Mas era quente, como se eu estivesse cercado por chamas. E realmente estava. Da escuridão, olhos se acenderam em uma luz meio esverdeada. Em seguida foram tomando forma,  um rosto... o rosto de Indra. Ele não disse nada. Tudo que vi foi parte do seu rosto. Naquela experiência senti o indescritível, eu senti como se pudesse compreender os mais profundos segredos do universo. Senti a vida. Senti o Éter dentro daquelas chamas. E quando acordei, acreditem ou não, eu estava de volta, no meio daquela civilização que me acolheu. Todos comemoraram o meu retorno, abençoavam aos deuses, e eu só senti alívio por Kaiser King tê-los poupado. No entanto, tudo mudou. Eu não era mais Lionel Jäegar. Não tinha mais braços, não tinha mais pernas, somente meu rosto. Sentia-me rígido, tenso demais, e ao mesmo tempo era capaz de flutuar. Dei-me de cara com meu reflexo num riacho ali do povoado e então a verdade. O verdadeiro segredo por traz do Mito?

— E-Eu ....VIREI A MÁSCARA? — gritei, ao reconhecer meu novo corpo.

E isso é tudo que sei até então.





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